Há três coisas que são maravilhosas demais para mim; sim, há quatro coisas que não entendo: o caminho da águia no céu, o caminho da cobra na penha, o caminho do navio no meio do mar, e o caminho de um homem com uma mulher.
A confissão da Sabedoria no livro de Provérbios nos diz que um dos mais indevassáveis mistérios humanos nesta existência é o caminho de um homem com uma mulher.
Quando há amor, encontro, desejo, vínculo, irmandade, jugo existencial dividido justa e harmonicamente; quando o que os vincula é mais forte do que a morte; quando dois se fazem um em uma simbiose sadia; quando suas mentes vão se tornando uma só; quando seus sonhos na vida se tornam comuns; quando seu tesouro é um ter o outro; quando até os filhos são menos do que os dois são um para o outro; quando até os desencontros os aproximam mais… — então, diz a Sabedoria, se está diante de um mistério…: o caminho de um homem com uma mulher…
O que faz tal encontro que faz encontrar… acontecer como encontro real e definitivo?
Ora, é na confissão de ignorância que a Sabedoria lança luzes sobre o fenômeno…
Sim, é pelas coisas que são maravilhosas demais para serem entendidas [três coisas...] que o sábio busca luz para melhor discernir o mistério mais profundo, que é mais que “maravilha”…, sendo de fato aquilo que não entendemos…: o caminho de um homem com uma mulher.
Dentre as coisas maravilhosas demais, diz o sábio, há três que o deixam perplexo…
O caminho da águia no céu…
É caminho altaneiro, com direção e objetivo, com olhar que vê ao longe, com visão perspectiva e prospectiva, com intenção de trazer comida ao ninho, com o instinto de que os bens ganhos devem ser divididos com quem espera por nós no ninho feito nas alturas da esperança…
Além disso, é um caminho leve, entregue ao vento, capaz de planar, de se deixar levar, de descansar no tapete do vento enquanto olha o que pode ser alimento e vida…
Desse modo, o caminho da águia no céu é feito de direção e objetividade de propósitos, tanto quanto é feito de leveza e de confiança no vento; e mais: leva em si o paradoxo de ser objetivo e, ao mesmo tempo, leve e solto…
O caminho da cobra na penha…
É caminho na rocha, por isto é uma vereda sem marcas e sem pegadas… Não há rastros… Não há manchas para trás… Sim, as marcas são as da não marcas… Sim, trata-se da vereda que não traumatiza e não assusta para o mal… Não há surpresas… Não há marcas “paralelas”… De fato, não há pegada alguma…
O caminho do navio no meio do mar…
É o caminho de quem não se assusta com as vagas, os vagalhões, com as ondas gigantes, com os monstros marinhos, e com o abismo…
Sim, é caminho que se guia [no passado...] apenas pelos céus, pelos mapas escritos nas estrelas, pelas veredas feitas de marcas superiores; acima, fixas, imutáveis…; e, por isto, mesmo não entendendo o mar, o marinheiro de três mil anos atrás singrava a morte dos oceanos apenas olhando para os céus…
Ora, são essas “maravilhas” que iluminam o mistério do caminhar entre um homem e uma mulher…
Sim, pois o caminho de um homem com uma mulher não é para ser entendido ou anatomizado…
Não! O caminho de um homem com uma mulher é para ser vivido, não para ser explicado…
Aliás, relações que se explicam muito têm quase sempre nada em si mesmas…
Os vínculos que perduram são os que estão para além de qualquer explicação humana…
É!… São… Basta ser…
Entretanto, embora eu não entenda o caminho de um homem com uma mulher, sei, todavia, que seu modo é como o da águia no céu, como o da cobra na rocha e como do navio solto no meio do oceano há mais de três mil anos…
Portanto, o que faz possível o misterioso caminho de um homem com uma mulher, à semelhança da vereda da águia, é sua decisão de caçarem juntos, de buscarem as mesmas coisas, de se referenciarem pelo mesmo monte, pelo mesmo ninho, pelos mesmos filhos, pela mesma noção intrínseca de objetivo, propósito e direção… Isto, ao mesmo tempo em que se confia também no vento, no improviso, na flexibilidade, nas correntes de ar, na leveza enquanto de busca o objetivo comum…
Do mesmo modo o caminho de um homem com uma mulher não se explica, mas se maravilha ante a possibilidade de se viver uma vida sem marcas alheias, sem manchas, sem passado ou presente de traição, sem mágoas, sem trilhas estranhas…
Quem anda na rocha não deixa marcas para trás…
Quem, como uma cobra, anda na rocha, menos marcas ainda deixará para trás…
Assim, o caminho de um homem com uma mulher será tão mais misterioso quanto mais limpo e simples ele seja…
Além disso, o caminho de um homem com uma mulher é apenas possível ante a escuridão dos fatos, da vida, da turbulência da existência, das vagas imensas e das subitezas de toda sorte de tempestades… — se o caminho for feito acima do imediato e dos seus monstros inevitáveis; e isso só é possível quando os “marinheiros” desta travessia olham e se guiam apenas pelos sinais dos céus…
Havendo tais coisas, apesar de misterioso e inexplicável, o caminho de um homem com uma mulher será possível…
Sim, com direção e leveza, com andar limpo e sem marcas e manchas, com orientação que transcenda os tumultos do imediato e de seus oceanos de perigo…
Ora, sem tais coisas não vale a pena entregar-se à aventura…
Seria como uma águia sem rumo e sem direção…; como uma cobra na lama, atolada e cheia de marcas de suas revolvencia…; ou como um navio antigo, há milhares de anos, insistindo em viajar por mares perversos sem olhar para o único meio possível de orientação: os céus!…
Hoje, muitos querem o caminho de um homem com uma mulher, mas, sem a direção comum, sem a leveza no processo, sem a limpeza no andar, sem os céus a guiar…
Portanto, o que tais pessoas têm é apenas a rapinagem da águia sem ninho e sem compromisso com filhotes e com aquela que deles cuida; sem a honra de um caminhar que não tem o que esconder; sem o olhar superior que vence o mundo… — e, apesar de nada disso haver neles e para eles…, querem assim mesmo que o caminho seja maravilhoso, misterioso e lindo…
Sem direção e leveza, sem pureza e simplicidade, sem os mapas do céu… — o que sobra é o abismo, não o mistério…
Não se deve brincar com tais coisas…
Loucos ou loucas são todos aqueles que dão as mãos para fazerem a viagem juntos…, mas sem o compromisso com os objetivos comuns e com leveza do fazer; sem a pureza do andar, e sem o mapa superior, que, para nós, é o Evangelho: único caminho seguro para que alguém se atreva a atravessar os oceanos…
Esta viagem… é apenas para aquele que tem no coração as veredas superiores, o caminho de cima…
É assim que é…
E quem não andar assim, não deve tomar ninguém pela mão e propor viagem alguma…
Sim, que pelo menos se perca…, se suje… e se abisme sozinho pelas vias da existência…, mas não leve uma vítima para o nada…
Nele, em Quem e de Quem vem tal sabedoria,
Caio Fábio
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